A Força do Tempo
As Coisas Não São Mais Como Antigamente
As coisas não são mais como antigamente.
Lembro-me de olhar para cima, sempre para cima, e ver os rostos daqueles que eu tanto admirava.
Suas feições demonstravam firmeza e autoridade.
Acostumei-me a acatar tudo o que eles diziam como uma pura e clara verdade, pois suas presenças transmitiam-me uma sólida segurança.
“Cumprimente a vizinha, menino!”
“Não me responda deste jeito!”
“Estude pra ser alguém na vida.”
Para mim, aquelas pessoas eram quase como deuses, que guiavam meus passos na estrada da vida.
As manhãs eram serenas. O doce perfume das flores acariciava meus sentidos.
O silêncio fazia-se presente.
E o cheiro do café na cozinha não me causava incômodo algum.
As tardes eram de Sol severo, mas tão acolhedoras…
Suado, voltava correndo para casa, torcendo para que o sorvete parasse de derreter.
Incertezas, quando haviam, falavam sobre o quanto teria que me esforçar para ir bem na tão temida prova de matemática.
O sabor da comida igualava-se ao manjar dos deuses.
As festas eram mais duradouras, as amizades mais verdadeiras e o medo passava com uma doce caneca de chocolate quente.
Se haviam brigas, passavam pelos meus ouvidos como a leve brisa de inverno.
Se havia choro, cessava tão rápido quanto o cheiro do bolo de cenoura invadindo a atmosfera da casa.
A empolgação veio com a adolescência. Nada parecia ser suficiente. Um minuto era terrivelmente infinito.
As falas do corpo gritavam, querendo eclodir.
Os falsos problemas ondulavam na certeza de que me enganariam uma vez mais.
Quantas vezes fui dormir aos prantos? Infinitas.
Quantas vezes supliquei pela morte? Inúmeras!
O sussurro era o grito, a gota o Oceano.
Tudo que não fazia parte de mim doía.
Tudo que fazia parte de mim reclamava.
Mas agora cresci.
Olho para baixo, encarando a criança que um dia virá a ocupar o meu lugar.