Campanópolis: a volta aos tempos medievais na versão deliciosa

Campanópolis: a volta aos tempos medievais na versão deliciosa
Foto: Jornalista Marcelo de Araújo
Campanópolis: a volta aos tempos medievais na versão deliciosa

Eram os Anos 1970. Com as finanças pessoais em alta, graças aos ganhos obtidos na administração de uma rede de supermercados e de uma fábrica de enlatados instalada em Buenos Aires, o filho de imigrantes italianos Antonio Campana decidiu aumentar o patrimônio pessoal. Com o objetivo de construir uma casa de fim de semana e se dedicar ao cultivo agrícola, ele comprou um terreno em González Catán, cidade pouco povoada distante 30 minutos da capital.

Seria mais um procedimento praxe de um empreendedor latino daqueles tempos, candidato a cair no esquecimento, não fossem dois traumáticos acontecimentos que estariam por vir, no intervalo de uma década. E que trariam uma reviravolta na vida de Dom Campana, na dos três filhos e até no destino do vilarejo, que viraria um ponto turístico inusitado, cinquenta anos depois, tornando aquela compra de terreno um momento histórico.

Game of Thrones

Hoje, os 12 hectares, desérticos na época, são sede da rebatizada Campanópolis (nome em homenagem ao fundador), uma aldeia de características deliberadamente medievais, onde, inclusive, foi realizado o lançamento sul-americano da série Game of Thrones, dadas as características que o lugar, ainda pertencente à família Campana, recebeu no decorrer dos anos.

São castelos, vitrais, torres pontiagudas, vielas muito estreitas, bosques, monumentos que remetem à Europa do período das Cruzadas. Atualmente, este novo ponto turístico portenho, com ares quixotescos, já conta com de cerca de 200 hectares e virou destino alternativo para viajantes de pessoas de toda a América Latina, inclusive de brasileiros.

Reciclagem

Mas, durante uns cinco anos, a localidade foi um lixão, em decorrência do primeiro dos dois acontecimentos que mudaram os planos de Dom Antonio. No final da Década de 1970, a ditadura militar argentina confiscou a área dos Campana, fazendo do local um depósito de sobras de demolição. Restos de obras derrubadas na capital tomaram conta da área até meados da década seguinde, quando Campana conseguiu recuperar a propriedade, já sem o ímpeto de fazer do terreno um local de plantio.

Perdendo também a motivação para tornar Catán um refúgio de final semana, ele organizou mais de 7 mil viagens de caminhão até a região, para retirar todo entulho depositado pela ditadura militar. Ali montou uma oficia de reciclagem utilizando o material reciclado para construir pequenas casas e depósitos.

Câncer

Mas logo viria a segunda notícia de impacto, ainda mais devastadora que ter a própria propriedade confiscada por ditadores. Antonio foi diagnosticado com um câncer terminal, doença que lhe dava somente mais uns cinco anos de vida, na previsão inicial dos médicos. Um choque para ele, esposa e filhos. Contudo, uma oportunidade para que o empresário virasse exemplo de resiliência. Mesmo abalado, Antonio criou um novo hobby, que acabou virando uma terapia diária e espichou a vida dele por quase vinte anos.

Escadas, trilhos de trens, portões, grades, latões, equipamentos hidráulicos. Tudo virava arte na nova rotina do argentino, que passou a esquecer a doença por muitos momentos, enquanto desenhava e dava orientações ao pessoal que concretizava um sonho.

Contos de fada

Deixando em segundo plano os objetivos de tornar a vila um ganha-pão, seu Antonio, mesmo não tendo formação em Arquitetura ou Engenharia, colocou a mente e os braços para atuarem em nome da criatividade. Do dia em que recebeu o diagnóstico fatalista até a morte aos 75 anos, ele construiu 42 castelos, planejou 800 chaves exóticas, umas que abrem portas e outras, apenas decorativas, dando um tom de mistério para os visitantes da vila, organizou quatro museus no local e ambientou um bucólico bosque, que lembra os contos de fada.

Messi

Seus três filhos preservaram tudo depois da morte do pai. Inclusive, mantiveram inacabados os castelos que estavam em construção, preservando a memória final do artista, numa área chamada Vila Nova, na tradução para o Português.

Em 2013, o local abriu para o Turismo. Assim, todo dia os visitantes podem apreciar a Casa da Coruja, que, reza a lenda, dorme no castelo toda noite, o Navio, feito de peças de trem, as arquibancadas do antigo estádio do Argentinos Junior, primeiro time de Lionel Messi, que viraram uma ponte. Os turistas também têm acesso aos museus do Ferro, dos Candelabros, da Madeira e, claro, das fotos e pertences do Antonio Campana.

É uma volta ao tempo, num ambiente que emocionaria até os ditadores da década de 1970.