Altas Habilidades de Superdotação: Mitos e Verdades sobre esta condição.
Você certamente já ouviu falar nos termos “altas habilidades” (AH) e “superdotação” (SD), mas será que sabemos de fato o que significam estes conceitos? Neste artigo eu vou esclarecer alguns mitos e verdades sobre AH/SD.
Você já fez, ou conhece alguém que fez, testes virtuais de inteligência? Será que estes testes são confiáveis? Ou ainda, será possível identificar se uma pessoa tem AH/SD através de questionários disponíveis na internet? A resposta é NÃO!
A avaliação para identificar AH/SD é complexa e multifatorial. Para o teórico de psicologia educacional estadunidense, Joseph Renzulli, a superdotação e o talento têm componentes tanto genéticos (vale lembrar que mapeamentos genéticos também não são capazes de identificar se o indivíduo tem AH/SD) quanto ambientais, usando a expressão superdotado e talentoso para definir as características da condição. Baseada nestes conceitos, Angela Virgolim, professora aposentada do departamento de processos psicológicos básicos (PPB) do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, sócia fundadora e primeira presidente do Conselho Brasileiro para Superdotação, utiliza a expressão altas habilidades e a superdotação com o mesmo sentido, ou seja, representando dois aspectos do mesmo fenômeno. Enquanto o termo “superdotação” faz referência aos aspectos inatos e genéticos da inteligência e da personalidade, o termo “altas habilidades” enfatiza os aspectos que são moldados, modificados e enriquecidos pelo papel do ambiente (família, escola, cultura, questões econômicas e sociais). O que significa que é mito achar que pessoas com AH/SD “já nascem assim”, na verdade elas precisam de aspectos ambientais para desenvolver estas habilidades. Da mesma forma, não é possível ensinar a alguém altas habilidades e superdotação, é necessário que haja uma predisposição genética para que haja o desenvolvimento de AH/SD.
O superdotado, na prática, é o indivíduo que aprende com rapidez e facilidade em pelo menos uma área do conhecimento. Conforme o Ministério da Educação (MEC), alunos com AH/SD são aqueles capazes de demonstrar potencial elevado e grande desenvolvimento nas áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade (Resolução n. 2004, 2009). Também apresentam grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse.
É importante lembrar que pessoas que manifestam ou são capazes de desenvolver uma interação entre os três conjuntos que caracterizam as AH/SD são público da educação inclusiva e requerem uma grande variedade de oportunidades e serviços educacionais especializados – que normalmente não são proporcionados pelos programas escolares regulares, seja na rede pública ou privada – enfrentando muitas vezes dificuldades socioemocionais no ambiente escolar, no processo de aprendizado e, em muitos casos, preconceito dos educadores e educadoras.
Um dos mitos mais difundidos sobre AH/SD é o de que toda pessoa com altas habilidades/superdotação tem QI (quociente de inteligência) muito superior (130 para cima). Existem pessoas que têm AH/SD com QI entre 110 e 129. As AH/SD são uma condição multidimensional, isto é, muitos fatores contribuem para que ela se manifeste e, dentre eles, está o QI – que é uma medida de apenas alguns fatores cognitivos. Além disso, o QI não abrange outras áreas da vida, como criatividade e motivação. Isto significa que testes de inteligência têm sua importância, mas são limitados, quando pensamos no desenvolvimento humano em sua complexidade. Portanto não adianta sair fazendo todos os testes de QI da internet e achar que possui AH/SD. Outros fatores que não são avaliados nesses testes (especialmente estes virtuais sem acompanhamento especializado) devem ser observados por profissionais da área (neuropsicólogo/as, neuropsicopedagogo/as e psicólogo/as).
Também não é correto afirmar que “tudo é fácil” para pessoas com AH/SD. Algumas áreas podem ser mais fáceis que para a maioria, mas também pode haver dificuldades em outras áreas. Um fenômeno bastante comum é a assincronia, ou seja, alto desempenho em uma área e baixo em outra. Por exemplo, elevado desempenho cognitivo e baixo desempenho socioemocional. Outra possibilidade é de ocorrer múltipla condição, isto é, junto às AH/SD existir uma outra – ou mesmo mais de uma – condição diferenciada de desenvolvimento que pode trazer algumas dificuldades. Exemplos são o TEA - Transtorno do Espectro Autista e o TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. (Antipoff e Campos, 2010; Rech e Freitas, 2005).
O simples fato de ter a condição de AH/SD em nada garante uma vida de sucesso, seja este sucesso profissional e/ou pessoal. Há muitos fatores em jogo para se ter uma vida satisfatória, especialmente em um país com tantas desigualdades estruturais como o Brasil. O desenvolvimento pleno de qualquer ser humano sempre dependerá de fatores familiares, individuais, educacionais, econômicos e sociais, não sendo possível vincular seu desempenho a nenhum fator isolado.
Referências:
ANTIPOFF, Cecília Andrade. CAMPOS, Regina Helena de Freitas. Superdotação e Mitos. Revista da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, v.14, n.2, pp. 301-309, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pee/v14n2/a12v14n2.pdf
RECH, Andréia Jaqueline Devalle; FREITAS, Soraia Napoleão. Uma análise dos mitos que envolvem os alunos com altas habilidades: a realidade de uma escola de santa maria/rs. Revista Brasileira de Educação Especial, v.11, n.2, pp. 295-314, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbee/v11n2/v11n2a9.pdf
REIS, Sally M.; RENZULLI, Joseph S. The gifted and talented constitute one single homogeneous group and giftedness is a way of being that stays in the person over time and experiences. Gifted Child Quarterly, v.53, n.4, pp. 233-235, 2009. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/274433069_Myth_1_The_Gifted_and_Talented_Constitute_One_Single_Homogeneous_Group_and_Giftedness_Is_a_Way_of_Being_That_Stays_in_the_Person_Over_Time_and_Experiences